Memories of a porcelain doll


Eu era amada.
Era verdadeiramente amada.
Aqueles que haviam me adotado daquela antiga loja de brinquedos me davam roupas, festas de chá, brincavam comigo, me deram um lindo nome: Bloody Mary. Até hoje não sei o que significa, mas eu o amo do mesmo jeito.
Passávamos várias horas juntos, eles contavam histórias de amor e de fantasia para mim, me fazendo acreditar que um dia eu veria tudo aquilo de perto.
Os anos se passavam, eu sentia minha pele branca descascando, quebrando, mas continuavam ali, todos eles, cuidando de mim e me amando como se eu tivesse acabado de sair da prateleira da loja, novinha em folha, pronta para ter uma família de verdade.
Mas os anos eram congelados para mim. Quanto à eles, os anos significavam amadurecer, mudar, crescer. E posteriormente, me esquecerem.
Aos poucos fui sendo deixada de lado. Eles passavam por mim, eu lhes sorria, piscava meus grandes olhos, só que ninguém me via. Eu aprendi a ser invisível de repente.
Minhas roupas foram ficando sujas, meu cabelo embaraçou, perdi o perfume doce do meu corpo. Minha pele continuou descascando e não havia quem cuidasse dela por mim. Fui me tornando feia.
Mas eu ainda estava ali, observando todos de longe. Achei que fosse tão humana quanto aqueles à minha volta. Achei que tinha um coração pulsando sangue pelas minhas veias de plástico, achei que eu tinha sentimentos. Até o dia que ouvi a pessoa mais velha dizer:
-Quem ainda brinca com essa boneca de porcelana velha?
Foi quando o meu suposto coração quebrou em vários pedaços. Virei o rosto e me vi no espelho daquele quarto. Eu realmente era uma bonequinha velha, uma coisa de porcelana, sem cor, sem vida, sem cérebro. Apenas com um “coração” criado por mim mesma, onde eu alojei sentimentos que não sabia que não existiriam para mim.
Se eu tivesse lágrimas, elas teriam inundado meu lindo vestidinho de renda. Quando achei que seria meu fim, a garotinha que um dia me chamara de melhor amiga me pegou da prateleira, olhou para mim com carinho e sussurrou:
-Eu ainda te amo. Mas precisamos nos afastar agora. Não posso mais ficar com você, já sou uma adulta.
E então, me fechou em seu armário.

No começo eu fiquei triste, decepcionada. Quantas vezes eu a havia ouvido dizer “iremos ficar juntas para sempre”? Por que isso agora então? Será que os humanos não percebem que tais promessas devem ser cumpridas?! Ou eles são tão superficiais que não conseguem manter nem as próprias palavras?

Depois que a tristeza passou, novos sentimentos foram se apoderando de mim, de todo meu pequenino corpo e do meu oco interior. Raiva, ódio, frustração.
Tudo ao mesmo tempo.
Todos alojados em mim.
Se eu pudesse, cortaria meus finos pulsos para ver se o sangue imaginário que escorreria deles seria mais vermelho do que aquele que saía do meu “coração”.
Mas não quero mais chorar. Tampouco quero sofrer por causa disso.
Vocês não valem minhas lágrimas invisíveis. Não valem a dor que sinto dentro do meu ser oco, dentro de onde deveria haver um coração.
Vou continuar aqui dentro desse armário escuro, abafado. Sozinha. Até o dia que sentirem falta de mim.
Se esse dia chegar, de fato.

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4 diamonds:

  1. AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!
    Dora, que texto incrível!
    Sinceramente, quase pude me sentir no lugar do bonequinha, os sentimentos dela são tão "familiares" pra mim...
    É uma pena que os anos passem e às vezes as pessoas que nós amamos nos esqueçam. Mesmo quando elas eram o que nós tínhamos de mais importante.

    Um beijo.

    http://pontadeimpacto.blogspot.com/

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  2. uuuaaaau!
    q perfeeeeito, nossa!
    nós mt vezes falamos coisas,prometemos e com o tempo esquecemos,mas pra alguém é importante.

    adorei seu texto Dora, mt boom msm!
    beijoo.

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  3. Ficou muito bom Twin
    A o esquecimento
    É como se essa fosse a maior dor do mundo
    EEE sucesso *-*
    beijos e saudades!

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  4. De repente me deu uma vontade de abraçar minha boneca de porcelana... Seus textos são lindos, você devia escrever um livro de contos, eu seria uma das primeiras pessoas a comprar!

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